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Valores
Há não muito tempo atrás, vivia um conjunto de expectativas e de sonhos relativamente à minha prática desportiva e a um percurso de grandes resultados que todos me diziam ser possível dadas as minhas qualidades desportivas.
Recebi por isso uma quantidade inacreditável de opiniões, de tendências, de tentativas de influências e de orientações em relação ao que devia ou não fazer para o meu futuro. Confesso que não foi uma fase fácil… Se num dia tinha uma opinião que me parecia correta, no dia seguinte recebia conselhos duvidosos… A verdade é que para um jovem que está numa fase de crescimento e que pouco ou nada sabe acerca do percurso que deve construir, estes momentos são por vezes “momentos de pânico”. Tanto queremos, que nem sabemos os caminhos que devemos seguir…
Aos poucos, fui aprendendo quais os caminhos que deveria seguir e felizmente liguei-me às pessoas certas que me têm ajudado a construir um trabalho de equipa, que parece ser uma contradição com o fato de estar numa modalidade individual, mas que faz todo o sentido!
Hoje li com atenção o que disse o Papa Francisco e com as suas frases revi toda a minha curta carreira desportiva… Foi com as palavras do Papa Francisco que percebi que tenho sido capaz de seguir o caminho certo:
“A prática do desporto estimula uma sã superação de nós próprios e dos nossos egoísmos, gere o espírito de sacrifício, promove a fidelidade nas relações interpessoais, a amizade e o espírito pelas regras. A atividade desportiva caracteriza-se por unir e não dividir”. Tenho dado por mim a pensar nisto vezes sem conta. O desporto que estamos a viver nem sempre é o desporto que eu sempre idealizei. Nem sempre me identifico com certas formas de abordagem de certos “tipos” de desporto. Mesmo à distância, sinto-me por vezes desiludido por ver que várias pessoas apenas avaliam o desporto numa perspetiva de negócio e que não se preocupam minimamente em passar “valores desportivos aos atletas”.
A construção de valores desportivos deveria ser a base de crescimento de um atleta. Durante vários anos, fiquei também “ofuscado” pelos resultados desportivos e por promessas que me iam chegando daqui e dali, como se o desporto fosse apenas uma perseguição de resultados e não uma perseguição de valores e de formação humana. De fato a prática desportiva ensina-nos a superarmo-nos e enriquece-nos na nossa forma de estar, de nos relacionarmos com os outros e em perceber que em cada “adversário” está o companheiro que me permite evoluir e melhorar enquanto desportista.
Sinto-me por isso feliz, por ter encontrado o grupo de treino com que me envolvo, pelo espírito que partilhamos em cada momento de trabalho, nas aprendizagens diárias e na aprendizagem constante acerca da forma como nos devemos relacionar com os outros. As vitórias só fazem sentido, se se suportarem num verdadeiro trabalho de equipa e numa construção de uma mentalidade muito forte em que o respeito pelos outros será sempre um dos pilares principais.
Por isso me revejo nas palavras do Papa Franciso quando critica o desporto que se baseia “apenas em critérios económicos para conseguir vitórias a todo o custo e transforma os atletas em mera mercadoria para se atingir apenas o lucro”. Esta não é felizmente a realidade do Atletismo, mas tal como afirma o Papa “os atletas entram por vezes num mecanismo que os atropela. Perdem o verdadeiro significado da sua atividade e a alegria pelo jogo que os apaixonou quando crianças e os levou a tantos sacrifícios para serem campeões”. É esta alegria que me recuso perder e que só é possível de manter se a “função educativa do desporto for preservada mantendo a retidão, rigor, moral e sentido de responsabilidade”.
É nisto que cada vez mais me revejo e são estes valores que me estão a fazer crescer, num dia a dia, repleto de aprendizagens que só são possíveis, se preservarmos valores éticos e educativos que farão de nós melhores a cada dia que passa. Nesta forma de estar no desporto, aprende-se de verdade e envolvemo-nos com a melhor escola de todas: A prática desportiva!
Excelente reflexão, com a qual me revejo inteiramente e que tem que ser o mais difundida possível. Obrigado pela partilha deste pensamento.
Parabéns pela reflexão e pensamento…são estes contributos que nos fazem crescer individual e coletivamente
Olá Rui, um testemunho muito interessante com uma mensagem muito boa. No entanto deixo no “ar” duas questões. Esta mentalidade consciencializadora funciona muito bem, por exemplo no atletismo porque existe a longevidade na prática, sendo esta menor em outros desportos. É muito frequente verem-se pessoas de idade “avançada” obter resultados “gigantes” no atletismo. Sendo por isso, na minha opinião, mais fácil a consciencialização do treino, do método da alegria e da partilha, simplesmente porque a pessoa é mais adulta, pensa de forma mais pragmática e consegue perceber melhor aquilo que lhe estão a pedir. Eu por exemplo, tenho 30 anos, e tenho a consciência que se trabalhar bem, se me dedicar, se descansar, se me alimentar bem, que os resultados vão “aparecer”. Como é que se mostra isto a um miúdo de 12-18 anos, que quer é passar horas e mais horas na pista/no court/no campo, quer trabalhar/trabalhar, mas não tem a consciência do tempo que se leva ate vencer? quer dizer, tem… é amanhã! =) (e isto piora muito quando são os pais que estão a “bancar” a carreira desportiva dos filho, ou treinadores sequiosos de vitorias, para mostrar trabalhar e ganhar notoriedade. É muito dificil em Portugal ser-se um atleta com potencial porque aparecem os chamados abutres capazes de fazer maravilhas… e aquilo que fazem é “secar” o atleta. Obrigado por partilhares a tua experiência.
Esta reflexão passou-me despercebida e por isso só agora estou a comentar, pois parece-me de extrema relevância. Concordo com esse problema que temos em Portugal e noutros países. O problema assenta desde logo nos critérios que definem as equipas técnicas das Federações Desportivas e dos Clubes e os princípios pelos quais se regem. Para mim faz todo o sentido que o bom treinador possa não coincidir com o treinador com mais resultados desportivos, mas sim aquele que consegue ver o praticante no seu todo. Todos nós percebemos a enorme importância que um treinador pode ter na vida e nas opções de um jovem. Por isso ainda se torna mais relevante que os jovens estejam “protegidos” por treinadores conscientes e com formação que os façam perceber que a formação técnica por si só, não pode ser tudo… Concordo também que por vezes esse trabalho dos treinadores pode não ser fácil perante a ânsia de vencer típica dos jovens e por isso mesmo entendo que as competências do treinador devem ser tão vastas ao ponto de saber encaminhar os seus jovens atletas num percurso de excelência formativa que os leve a um percurso de excelência desportiva!